FLOR

ELES: FORTES E FRACOS AO MESMO TEMPO

     
     Ela também é forte, branca, homossexual, católica. Ele é forte, filho de xangô, negro, heterossexual. Não levam desaforo para casa, aprenderam que essa história de minoria serve apenas para escanteá-los mais ainda, já que não fazem parte dos grupos tradicionalmente dominante. Um termo estranho este, “minorias”, já que ele faz parte da maioria negra brasileira e ela da maioria feminina brasileira, literalmente, em números.


     Infelizmente, ser maioria não os coloca no poder. Não que não queiram, apenas têm de lutar todos os dias para provar para o mundo que são tão capazes de fazer e amar, como qualquer outro que teve a sorte de não nascer com uma característica “recessiva” social. Nem todos precisam acordar pela manhã, pensar como será a condução para o trabalho, o que comerá no almoço e o que fará para a sua cor de pele não atrapalhar ou para seus órgãos sexuais, ou sexualizados, não virem a sobrepor suas ideias na cabeça dos outros.

     Ela pensa, ele também. Eles passam o dia todo pensando o que fazer para que seus direitos sejam garantidos sem pré-julgamentos. 

     Ela percebe os olhares penetrantes de dois homens no ônibus mirando em seus mamilos que decidira libertar dias antes, livrando-se dos sutiãs que sempre a incomodaram. Decidiu mostrar para o mundo como era livre, mas escondeu com a mochila os seios marcados para que os espectadores focassem em outra coisa.

     Ele faz cara de bonzinho, com seu terno e com seu óculos, quando passa com seu carro por uma blitz no retorno do trabalho e se alivia quando vê que alguns dos policiais também são negros.

     Ambos precisavam de uma válvula de escape para suas angústias diárias. Ele foi ao Terreiro de Umbanda Pai Mané, saiu mais leve de lá, mas teve receio do julgamento do grupo de evangélicos que também saía de seu culto em uma igreja próxima. Ela foi confessar-se ao padre, queria contar tudo que acontecera, mesmo o fato de que queria gritar para o assediador que nem na melhor das hipóteses ele teria qualquer chance com ela, mas o motivo não podia abrir ao sacerdote. Seus meios naturais de afeto não são aceitos pela Igreja.

     E passam os anos, ele cresce profissionalmente tendo sempre que ser o primeiro homem negro em todos os lugares e tendo que ter orgulho disto. Ela chega aos quarenta e sete ainda sem que a sua homossexualidade esteja cem por cento resolvida com a sociedade. Ele e ela têm de rir junto com o novo humor inclusivo, onde o comediante negro faz piada com as “estranhas” características do branco, e a comediante lésbica tem de fazer piada com o fato de quase apanhar por ter sido confundida com um homem gay.


     Por fora, gritam a todos os povos que são livres neste início de século. Que a luta continua, mas muito já mudou e têm de ser respeitados. Por dentro, continuam com este vírus do preconceito emaranhado em suas células, inconscientemente julgando a si mesmos. O racismo afetou o negro, o machismo a mulher, a homofobia o gay e o preconceito religioso afetou aqueles com religiões menos tradicionais. Quando precisam demonstrar suas forças contra a opressão, o fazem com maestria. O problema é que, de vez em quando se juntam aos opressores para contornar as suas próprias diferenças. Mesmo fortes para o mundo, precisam tornar-se fortes para si, assim, a força que virá de dentro será muito mais devastadora.

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