FLOR

IRMÃO É IRMÃO, MESMO NÃO SENDO IRMÃO



                    No dia que nascemos, fazemos o teste do pezinho no hospital. Você não sabe, mas é uma assinatura com impressão digital – já que ainda não sabemos escrever – de um contrato vitalício. É a tal da lei das cotas. Setenta por cento de todo amor que será distribuído por toda sua vida deverá ser reservado àqueles que têm o mesmo DNA que você.



                Ai de ti que não respeita esse amor obrigatório. Deus te livre de não ajudar um irmão distante. Coisa feia julgar parentes de até terceiro grau por serem completos idiotas. Nunca te perguntaram como você está sem depois te pedirem algo em troca, mas isso é coisa de família, né? Você deve amá-los e respeitá-los, por toda a sua vida, até que a morte lhes separe. E isso também vale para aqueles consanguíneos que tiveram a sua existência revelada subitamente, você terá de arranjar um lugarzinho no seu coração para estima-los incondicionalmente.
Não é de verdade? Força aí!
                Certo. Guardei o sarcasmo em uma caixinha aqui, podemos continuar. Eu vou me usar como exemplo para dar continuidade. Tem gente que não nasceu da minha mãe, que surgiu um pouco depois de eu já me conhecer como gente, e que tomou o meu coração de um jeito que tem parente por aí que precisaria de três vidas para conseguir. Não falo da minha esposa, com esta eu divido a própria vida, é amor diferente de qualquer outro tipo e corre por fora de toda esta história. É outra gente que estava pronta para vir à vida na mesma família que eu, mas acabou pegando a via errada e tive de reencontrar depois. Gente irmã que não precisa de consanguinidade para assim ser.
                Todo dia uma surpresa que faz o amor fraterno crescer cada vez mais. Não nego, sou afortunado com muitas amizades boas, verdadeiras. Por outro lado, a palavra “amigo” fica tão abaixo das expectativas para algumas pessoas que me sinto mal em chama-las assim. É um respeito tão forte provindo de um amor fraterno conquistado à duras, mesmo que inconscientes, penas que não posso chamar essa gente de menos que “irmã”. Agir como se com irmão fosse, me obrigar a fazer tudo que a sociedade impõe a um irmão de sangue.
                Aí tenho que explicar que não tenho mãe ou pai em comum. Apenas considero essa gente irmã e assim sempre vai ser, não é a sua convenção social que fará com que eu pense diferente disso. E, olha, é bom ser livre para pensar assim. Ninguém impôs este amor, a vida o trouxe sem quem ninguém pedisse, o sentimento vem na forma mais pura possível. Isso é tão bom, recomendo! Há um tempo atrás nos livramos da imposição do amor romântico, muitos de nossos avós eram obrigados a casar com quem não amavam apenas por conveniência. É hora de revolucionar o amor fraterno e mudar o conceito deste grupo denominado família, cercando-se somente daqueles que te conduzem a sentimentos bons.
                Aos outros, os parentes que pensam ter algum direito sobre o que sinto, apenas peço: se querem um pouco do meu amor, pensem um pouco além do comum “amor de sangue”, isso não me convence. E aos que, assim como eu, pensam que um amigo pode substituir uma parte no contrato natal que lhes impuseram, não hesitem em dizer o quanto o ama. É o mínimo que você pode fazer. Por fim, acima de tudo, o ame. Se, por coincidência, este irmão tiver o mesmo código genético que você, mais fácil. Senão, não tema em tornar familiar aquele que “não é” família.

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