FLOR

PARA MEIO ENTENDEDOR, BOA PALAVRA NÃO BASTA

                Eu, lendo Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana, de Freud, me deparei com um poema no meio do texto. Era de Goethe, A Noiva de Corinto. No texto do psicanalista, o poema vinha em alemão, idioma inédito para mim, nunca nem tentei. Não é estranho que a minha primeira atitude, no 2018 que estou, foi de procurar traduzir o texto no Google Tradutor.


Aber wird er auch willkommen scheinen,
Jetzt, wo jeder Tag was Neues bringt?
Denn er ist noch Heide mit den Seinen
Und sie sind Christen und getauft.

Ou, como me trouxe a tradução:

Mas ele também parecerá bem-vindo,
Agora que todos os dias traz algo novo?
Pois ele ainda é pagão com o seu próprio
E são cristãos e batizados.



                Primeiro eu pensei que não entendi o que a estrofe queria dizer porque não a li no contexto do poema. Depois, li a tradução de Maria Aparecida Barbosa e me confundi mais ainda com o português rebuscado que ela teve de usar para manter a coerência textual e ainda rimar no nosso idioma. Na tentativa de entender melhor o que Goethe quis dizer, li mais um pouco do capítulo do livro de Freud e realmente acabei entendendo o ponto de vista do pai da psicanálise. O problema foi tentar, outra vez, entender o texto do poeta com perfeição, já que no livro apenas me foi cobrada uma estrofe.

                Eu fiz de tudo, li, reli, procurei a tradução para o inglês e finalmente entendi. Ou achei que tinha entendido. Não sei se foi o meu inconsciente ou o meu cansaço na busca da perfeição que me fez entender errado alguns versos. Li “a despeito” e “apetite perdido” e entendi que o moço, protagonista na poesia, fora mal-educado ao rejeitar a comida de uma senhora. Só fui capaz de captar que ele teve de recusar parte da comida ao se sentir estufado quando li, sei lá, pela décima vez a passagem: “Entretanto o apetite é perdido, farta refeição posta, a despeito... ”.

                Sei que este texto aqui já ficou muito mais complexo que o normal para algo de minha autoria, mas é exatamente neste ponto que quero chegar: quando há grande complexidade em um registro passado, desperta a preguiça e logo o leitor entende do jeito que quiser, auto completando com o conhecimento que ele acha que tem. Quando não desiste e entende pela metade mesmo.

                Isso fica muito claro na internet, quando alguém resolve ouvir errado o que foi dito com a maior correção possível. Um ou outro, ou a pessoa não se esforçou buscando novos conhecimentos e acabou trazendo aquilo que ela acreditou ser uma verdade para sua própria limitação, ou ela foi maldosa mesmo e inverteu o sentido para reproduzi-lo fora de sentido. O segundo caso é bastante reconhecido quando acontece a disputa ideológica que tanto cega as “torcidas” políticas comuns na atualidade, por exemplo. Mas, o primeiro é o mais comum e, pior, o mais velado. SOMOS ESPECIALISTAS EM TUDO, SEM NUNCA TERMOS NOS ESPECIALIZADO EM NADA.

                Daí para cair no rio quando a ponte quebra depois de dizermos “vamos por aqui, conheço esta passagem como a palma da minha mão” é um passo. Tantos quebram a cara nessa queda e nem percebem. O que não percebem também é a vergonha que passam quando outra pessoa que realmente entende do assunto para e analisa a situação.

                Essa mistura de vontade de gritar aos quatro cantos o tanto que está revoltado com uma situação com um total desconhecimento daquilo que berra é insano e leva a pessoa e quem está junto cada vez mais para a beira do precipício. É assim que, pouco se preocupando em entender o pequeno, se tenta explicar o grande. O que esquece é que o ponteiro do relógio só mostra a hora com precisão enquanto as minúsculas engrenagens estiverem dispostas de maneira certa.


                E foi com meia compreensão que eu li, em uma única noite, dois textos clássicos como se fossem vinte, quando o correto seria mesmo entender apenas dois. Talvez nem tenha entendido corretamente ainda, alcancei meus limites quanto à literatura alemã. Nunca me arriscaria a dizer o que entendi do poema. Não por agora.

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