FLOR

JULINHO, O MENINO POBRE QUE VENCEU!

                Julinho é um vencedor! Você nem imagina tudo que esse rapaz passou antes de se tornar o que é hoje em dia. A primeira infância foi em uma favela, barraco com paredes de papelão, telhado cheio de goteiras, barro no lugar de calçada, tudo isso que é mais do que clichê quando se descreve um lugar destes.

               
Aos sete anos, Julinho viu o primeiro homem morto. Homem para ele, o falecido era um rapaz de 17 anos executado na porta de casa por gente que cobrou uma dívida com sua vida. Não tinha ideia de que era possível quitar dívidas desse jeito. Esse pessoal deve ser muito rico, morre um por semana nesse lugar. E olha que nem tem tanta gente lá.
                Aos dez anos, Julinho quase morreu também. Um tiro invadiu a sala de aula e a bala passou a trinta centímetros de seu pequeno nariz marrom. O menino foi salvo por um lápis que não tinha, não estava debruçado sobre a mesa para rabiscar seu caderno. Até pediu vinte centavos para seu pai mais cedo, mas ouviu grandes absurdos por terem achado que ele pedia dinheiro para comprar doces ou algo do tipo. Na escola, ficou com vergonha de pedir um lápis emprestado. Vai que achassem que ele era um pobre, né? Ah! Priscila, sua coleguinha de mesma idade, foi quem acabou morrendo com a bala perdida. Julinho não esquentou a cabeça, já estava acostumado com esse tipo de coisa. A escola liberou as crianças por uma semana.
                O pai de Julinho até tinha os vinte centavos e os usou para inteirar o dinheiro para comprar aquela cachacinha no boteco do seu Jão. Seu Jão era o pai de Priscila, não abriu o bar naquela semana que Julinho estava em casa. Frederico, o pai de Julinho, decidiu comprar uma barrigudinha no mercadinho da dona Zélia. Sabe como é, toda aquela cachaça disponível à mão do desempregado Frederico, podendo toma-la de uma só vez, tomou de uma só vez. O homem saiu de si, foi engraçado. Gritava, cantava, dançava, batia em Julinho, batia muito em Julinho. A vizinhança ria, não era o primeiro desempregado a encher a cara com bebida barata em casa e fazer o showzinho que Frederico fazia. Como ele, mais uns vinte só naquela rua e mais uns trinta filhos que apanhavam da mesma forma.
                Aos dezenove, Julinho conseguiu se formar na escola. Foi um alívio, o coro comeu nas duas vezes que teve que repetir o ano escolar. É difícil se concentrar na aula com fome e com o lombo doendo, com isso ninguém acostuma. Frederico, então, disse “Vá trabalhar, moleque! ”. Julinho sorriu. O moço queria mesmo trabalhar e do jeito que seu pai falou, parecia muito fácil. Desconsiderando os dezoito meses de procura, realmente foi muito fácil arranjar aquele emprego de gari em uma cooperativa.
Alguns anos depois, conseguiu entrar na faculdade com uma bolsa de cinquenta por cento para o curso superior de tecnologia através de um programa do governo. Via os colegas comprarem seus cappuccinos enquanto ele juntava as moedas para tirar metade das cópias que deveria para poder estudar. Tudo de novo, já não tinha fome, mas vai você trabalhar o dia inteiro correndo atrás de um caminhão. Os olhos mal permaneciam abertos. Formou-se ao final do sétimo semestre de um curso que duraria cinco.
Não demorou mais do que quinze meses de procura para logo Julinho arranjar um emprego na área. O cargo não exigia sua formação, nem exigia formação, mas já estava trabalhando com tecnologia como queria. Trabalhou tão bem que foi promovido três vezes em três anos, Júlio já poderia chegar em casa e dizer para sua mãe que ganhava mais do que um salário mínimo e meio. O pai já morreu, não de tiro, de álcool.
Júlio saiu de uma infância muito pobre, fadado a servir gente de classe média. Contudo, Júlio lutou e, antes dos quarenta, conseguiu ele se posicionar na média classe média. É claro que tudo isso aconteceria mais rápido se:
- Seus pais tivessem conseguido a vida que imaginavam ao fugir do sertão;
- Sua condição familiar não envolvesse medo e violência;
- Sua situação na comunidade não envolvesse medo e violência;
- Tivesse o mínimo de apoio da administração pública para ter condições de vida dignas;
- Não tivesse que desviar dos projéteis durante os tiroteios.

Tudo bem, Julinho deu a volta por cima. Agora tem um cargo bom, em uma empresa boa, com colegas bons. Como Enzo, o rapaz de vinte e dois anos já Bacharel e já com o mesmo cargo que o seu. Esse Enzo é filho de gente da classe média, como agora Julinho é. Uma pena que os pais de Julinho não fossem e ele tivesse que crescer na vida em velocidade mais reduzida do que o normal.
Mas, enfim, parece que Julinho venceu. Desviou dos tiros, não serviu ao crime, venceu a pobreza, pouco depois de passar da metade da vida.

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