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A última
viagem que fiz com a minha esposa foi maravilhosa. Praia, um lugar incrível,
gente feliz para todo lado. Reservamos um hotel e passamos uma noite em uma das
praias mais bonitas do Estado. Não pudemos aproveitar o verão juntos, então
ficamos relativamente bem hospedados nesta oportunidade.
No primeiro dia, andamos um pouco à beira-mar, ficamos um pouco na piscina, jogamos uma sinuca, enfim, nos divertimos. Então, fomos descansar. Aquela cama maravilhosa nos deu longas horas de um sono profundo e confortável, como há muito não tínhamos. Estávamos prontos, na manhã seguinte, para aproveitar mais um dia de sol. E, como todo bom hotel, havia um maravilhoso café da manhã nos esperando com pães, queijos, doces, iogurtes, omelete e todo tipo de especiaria para um café da manhã brasileiro. Infelizmente, um ingrediente amargo me aguardava.
É escandalosa a diferença entre a
minha cor de pele, negra, e a do povo que me cercava. A gente sabe que, quanto
mais caro o ambiente, mais claras são as pessoas. Eu não estava no hotel mais
caro da cidade, mas estava em um hotel que dispunha de todo conforto necessário
para não passarmos necessidade. A verdade é que a maior parte do povo da minha
cor não tem acesso a este tipo de ambiente. Isso ficou confirmado durante o
café da manhã, onde havia uma boa quantidade de hóspedes reunida.
Peguei minha xícara de café e fui
servir com um pouquinho de leite. Infelizmente, o café tinha acabado enquanto o
moço na minha frente na fila servia-se. Ele nem chegou a encher metade de sua
xícara, mas virou para mim e disse:
─ Me desculpe, acabou aqui. Você
quer ficar com o meu?
─ Não, obrigado. Vou esperar
servirem mais. ─ E esperei.
Enquanto esperava, percebi que, ali,
no meio daquela fartura de comida, havia duas pessoas negras. Não, nem mesmo os
funcionários do hotel eram pretos, o que é incomum, mas não duvido que não
fosse a preferência dos empregadores para garantir uma “boa imagem” para o
estabelecimento. Os negros eram eu e uma menininha, por volta dos seu seis ou
sete anos, com o cabelo bem armado e uma florzinha posta na lateral. Os pais,
sendo um deles o moço que acabou com o café, eram um casal de dois rapazes
muito bonitos ─ brancos ─ que a mimavam como podiam, falando suave, contando
histórias e piadas, e fazendo cafuné.
Quem me conhece sabe o quanto
fiquei hipnotizado por aquela cena. Dizia “olha, amor, aquela família linda”
para a minha esposa. Eu estava babando por aquele momento. Até que uma senhora,
obviamente branca, se aproxima da mesa deles e fala:
─ Como você é linda! Você é linda
demais! Parabéns!
─ Obrigado. ─ respondeu a menina
com um sorriso extremamente tímido e assustado no rosto. Foi, sim, uma atitude
bem-intencionada. Porém, isso vem com uma carga pesada para o negro, mesmo que
tenha sete anos.
A gente precisa afirmar o tempo
todo para nós que podemos, somos e devemos. Precisamos que o Estado afirme isso
com políticas ativas inclusivas. E “precisamos” que o branco afirme a nossa
grandeza. Necessitamos que ele olhe para nós e veja nossa pele negra e vá lá
dizer “COMO VOCÊ É LINDO! ”. Tudo isso para compensar tudo que nos falta e nem sabemos
o motivo. Nascemos destinados a ter menos e, quando alcançamos algum lugar,
precisamos de aplausos. Recebemos o espanto.
É como se dissessem “Nossa, olha
que impressionante um preto aqui no meio de nós. Façamos uma festa para
celebrar este dia incomum. ” ou “Olha essa menina com essa beleza tão exótica! ”.
Ao fim dos elogios daquela simpática
senhora, a menina fechou a cara, assustada. Comia seu café da manhã e reagia
aos estímulos dos pais. E só. Dali para frente, quase não sorriu. Olha, eu sei
como é complicado entender o problema quando você não é do grupo excluído.
Parece até exagero. Mas, você já sentiu como se fosse uma atração de circo?
Todos olhando e estranhando a sua presença naquele lugar que não foi projetado
para pessoas como você.
Eu sei que a menininha loira de
olhos azuis também é abordada de vez em quando para elogiarem sua beleza. A
diferença é que ela sempre perceberá aquele lugar como seu e o elogio será
apenas um elogio. Ela não vai sentir-se tão diferente daquele que está falando.
Bom. Que ótimo que aquela menina
preta podia estar ali. Que pôde ser acolhida por seus pais brancos e trazida
para um mundo que deve ser um pouco melhor que o lugar onde passara a sua
primeira infância. Além disso, eu a vi sorrir mais uma vez.
Eu ia servir o meu segundo prato,
sou uma pessoa muito grande e preciso comer bastante, quando decidi pegar um
pão e recheá-lo com salsichas. Mais uma vez, quem estava na minha frente esgotou
o que eu pegaria. Agora, ela.
─ Você acabou com as salsichas,
né? ─ ela me olhou com um olhão bem arregalado, eu ri para ela e ela abriu um
sorriso lindo de volta, olhando-me por alguns segundos. Simples assim. Os dois únicos
negros daquele refeitório disputando a última salsicha para um cachorro-quente
matinal.
Se eu deveria dizer algo mais,
não sei. Mas, acho que acertei na abordagem.
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