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Ele veio ao mundo pronto
para ser mais uma peça nessa máquina louca chamada sociedade, onde os
estilos de vida estão em um armário e é preciso escolher o que mais se
aproxima com aquilo que ele gosta. A sociedade é isso que fizeram ao
longo da história para ser algo que facilitasse a vida humana e no fim
das contas acaba sendo uma ferramenta para tentar evitar que os humanos se matem.
E, mesmo que ele escolha viver fora
da sociedade, tem de ter um contato ali, um contato aqui para não
acabar morrendo de fome, de tiro, de qualquer outra coisa que a
sociedade nos protege... ou deveria proteger. Ele escolheu morar em um
lugar distante de onde nasceu e, para isso, preparou o seu ambiente.
Encontrou uma casinha no meio do nada, um outro que viveria ao seu lado
com a mesma proposta de vida e um jeito de sobreviver.
Daí lembrou que foi ensinado a dar satisfação a algumas pessoas, principalmente algumas com o mesmo DNA ou aquelas que foram elevadas a esse patamar, mesmo com código
genético distinto. Arranjou um celular e usou ele de vez em quando para
falar com essas pessoas, arranjou pacotes de telefonia para esse
celular e criou um vínculo com uma operadora para que pudesse ter isto.
Pronto, ele voltou a estar muito perto do estado inicial de perder muito
tempo de vida mantendo a máquina funcionando, sem nunca ter de fato
escolhido uma coisa dessas.
Percebeu
que não há solução, mesmo que escolhesse viver isolado, para ter o
mínimo de dignidade ─ mesmo que essa "dignidade" também estivesse em
moldes que ele não ajudou a criar ─ deveria andar com a multidão. Talvez
caminhasse por poucos metros, o que não poderia é ficar parado como
queria.
Bom,
ele vive alternando entre a sua vida real e a vida teatral imposta
desde o primeiro choro no hospital onde nasceu ─ até quando deveria
chorar o médico escolheu. Sorte dele, imagina só se ele vivesse à margem
da sociedade por escolha de outras pessoas e não tivesse a oportunidade
de ficar brincando lá e aqui. Aí sim, morreria de fome, de tiro, de
qualquer outra coisa que a sociedade nos protege... ou deveria proteger.
Ainda bem que ele pode escolher. "Nasceu
bem" para aqueles que decidiram o que é nascer bem. Aproveitou as
oportunidades porque, olha só que loucura, teve oportunidades. O nome dele é Mérito. Bem
diferente do Demérito, homem de mesma idade que não soube aproveitar as
chances que a vida lhe deu. Até agora, zero chances no total. Problema
dele.
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